Fernando Chalana: «Benfica não pode ser a Quinta do Billy»

RECONHECE QUE PODIA SER O Nº 1 NA LUZ

 

"Em 74, quando fui para o Benfica, o Barreirense recebeu 700 contos, que era muito dinheiro. Investiu, mas nessa altura havia competência. Percebia-se que a formação do clube não chegava"



Record - "Este" não é o seu Benfica?
Chalana - Isso é você que está a dizer.

R - Não, estou a perguntar-lhe.
C - Não comento.

R - Se fosse o patrão do futebol do Benfica, o que é que fazia? O que mudava?
C - Mudava muita coisa. Começava logo por baixo, pelo futebol juvenil, pela prospecção, ou seja, acabava com a Quinta do Billy.

R - Quer dizer do Bill?
C - Não, do Billy.

R - Ficamos todos a saber o mesmo.
C - Eles sabem, eles sabem.

R - Mas quem sabe? Quem são eles?
C - São aqueles que tolhem os movimentos dos competentes, os que não abdicam dos maus hábitos. São aqueles que não acrescentam nada, excepto vícios.

R - Está a falar do futebol juvenil?
C - Estou.

R - Está a criticar o Nené, o Porfírio Alves? É isso?
C - Eles sabem. Estou a criticar as pessoas, cujos vícios se repercutem depois no futebol profissional. Repare bem: depois do Rui Costa, melhor, do Paulo Sousa, porque o Rui é de Lisboa, quantos jovens com grande potencial ingressaram no Benfica? Nem um! Começa aí a minha crítica. A formação não pode esgotar-se no Benfica. Tem de se procurar por esse País fora novos valores. Mas para isso é preciso, entre outras coisas, investir. É preciso ir a Braga ou a Viseu, a Guimarães ou a Setúbal. É preciso ir procurar e trazer miúdos de 12, 13, 14 anos, porque com 18 não vêm para o Benfica. Já a prospecção dos outros clubes se antecipou. Se não se investir, não vem mais ninguém. Em 74, quando fui para o Benfica, o Barreirense recebeu 700 contos, que era muito dinheiro. Investiu, mas nessa altura havia competência. Percebia-se que a formação do clube, infelizmente, não chegava. E hoje, tal como ontem, não é suficiente. Os responsáveis têm de se mentalizar que não basta a formação do clube. Eu fui formado na rua e no Barreirense.

R - Saiu muito magoado com o Benfica?
C - Não saí magoado com o Benfica. Aliás, nunca poderei pôr em causa a instituição. Defendi sempre o clube e continuarei a fazê-lo, com muito orgulho. Mas não consigo esconder a minha tristeza. Não, repito, pelo Benfica, mas, sim, por algumas pessoas, sem dúvida perniciosas para a vida do clube.

R - E o Benfica correspondeu às promessas de aumento quando passou para a equipa principal?
C - Não. Aliás, para ter uma ideia, hoje em dia, no Oriental, um clube modesto, mas com uma grande riqueza humana, ganho mais ou menos o mesmo que ganhava no Benfica, ou seja, abaixo do que recebia no Paços de Ferreira.

R - Camacho não o quis ou o Chalana preferiu trabalhar com o José Gomes?
C - Havia indefinição. Não se sabia se o "mister" Camacho continuava ou não. Surgiu o convite do Zé para ir para Paços e acedi, pela competência e amizade que nos une. Comuniquei ao "mister" a decisão dois dias antes de falar com Luís Filipe Vieira.

R - Camacho é bom treinador?
C - É. É um bom líder, amigo do seu amigo. Com ele aplica-se a velha máxima: trabalho é trabalho, conhaque é conhaque.

R - Mas está a ser muito criticado?
C - Quando se perde, as críticas surgem com naturalidade.

R - A que é que se devem as inúmeras lesões no Benfica?
C - As lesões, tirando as traumáticas, que resultam da competição, podem estar associadas ao mau treino ou, então, ao mau comportamento dos jogadores. Quando se treina bem, forte, seja no Benfica ou no Oriental, os jogadores têm, obrigatoriamente, de recuperar bem. Têm de se alimentar bem e de descansar.

R - Sabia que é muito recordado no balneário do Benfica?
C - (ri-se) Isso deixa-me orgulhoso.

R - O Mourinho é o melhor treinador português?
C - Faz parte de um lote de bons técnicos portugueses e está num grande clube, num clube em que, hoje, qualquer treinador se arrisca a ser campeão. Antigamente, como dizia Mário Wilson, essa teoria era válida para o Benfica. Não é por acaso que o FC Porto mantém jogadores mesmo que praticamente não joguem, como acontece agora com o Secretário. Essa cultura não existe no Benfica. Aliás, até já se fala que o Hélder vai sair do Benfica.

«Em França seria treinador da Liga»

R - Sente que tinha capacidade para treinar já o Benfica ou que argumentos ainda lhe faltam?
C - Não falta nada! O problema está nos dirigentes: acreditam ou não. Se estivesse em França, pode ter a certeza, seria treinador da Liga. E em Espanha seria a mesma coisa. Em Portugal, não. Mas isso só depende dos dirigentes.

R - Como é que gosta de ver as suas equipas jogar?
C - Como fui avançado, quero que joguem sempre para ganhar, defendendo "alto", longe da nossa baliza. E quero que proporcionem bons espectáculos.

«Era o Chalana e mais 10»

R - O Oriental defronta hoje o Barreirense. Foi precisamente um jogo entre as duas equipas que ditou a sua transferência para o Benfica. Lembra-se?
C - Era o Chalana e mais dez. Ganhámos, mas lembro-me de pouco mais. Foi pelos seniores e tinha apenas 14 anos. O Pavic foi ver e deu o aval ao Benfica para me contratar. O Coluna também já me tinha visto e o Juca, que treinava o Barreirense, dera informações ao Sporting. Mas o Benfica antecipou-se.

R - Hoje, o Oriental vai vingar-se?
C - Espero que sim, embora saiba que o Barreirense tem uma belíssima equipa. É líder por mérito próprio.

R - Está feliz no Oriental?
C - Muito. É um clube modesto, mas com uma grande riqueza humana, desde o presidente ao roupeiro, passando pela equipa, muito bem escolhida pelo meu antecessor.

«É muito mau a bola 'chorar'»

R - Já chorou por causa do caso da pedofilia?
C - O caso não é para rir, mas também não choro. Choro, sim, por ver a bola maltratada. Como costumo dizer, às vezes é tão rudemente tratada que "chora". E é mau, muito mau a bola "chorar". Mas, hoje, não há tantos tecnicistas como no meu tempo.

R - O caso da pedofilia marca-o ou não?
C - Marca. Fere a dignidade, a minha, da família e dos amigos. Mas a minha escola e o Oriental, felizmente, fazem-me esquecer o problema.

 

In "Record Online"


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